O que temos visto e ouvido?

James Smith, no livro “Você é aquilo que ama”, conta sobre uma parábola introdutória (que vai servir aqui com o mesmo propósito) feita por David Foster Wallace em um discurso no Kenyon College:

“Dois peixes jovens nadavam juntos numa direção, quando encontraram um peixe mais velho nadando no sentido contrário. O peixe mais velho os cumprimenta e diz:

– Bom dia, garotos. Como está a água?

Os dois peixes mais jovens seguem nadando e, após algum tempo, um vira para o outro e diz:

– O que é esse negócio chamado água?”

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“O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Estas coisas, pois, vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa.” (1Jo 1.1-4)

“O que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos” tem nos transformado! Sim, inicio pelo fim. Começo essa breve reflexão com uma sentença que há algum tempo tem me feito pensar e repensar acerca daquilo em que invisto minha atenção, seja vendo, ouvindo ou mesmo manuseando. O que temos visto e ouvido tem nos transformado ou, dizendo de uma outra forma, nós somos moldados por aquilo que contemplamos.

Estou lendo um livro escrito na década de 1980 cujo título é “Amusing Ourselves to death” (algo como “Nos entretendo até a morte” ou “Mortos de entretidos”). Esse livro tem chamado minha atenção, dentre outras coisas, por enfatizar a grande mudança na forma como os americanos vivem e enxergam o mundo em virtude da transição de uma era marcada pela palavra escrita (tipografia) para uma era marcada pela imagem (especialmente em virtude da televisão). Em 1985, há 33 anos, Neil Postman bradava: “Vivemos na era do Show Business”. Nessa era, o “silêncio foi substituído pelo ruído”, as imagens de alta rotatividade são a principal ferramenta de comunicação e o entretenimento é o meio e a mensagem. Em resumo, isso é o que nossa cultura tem visto e ouvido. Esse é o mundo no qual as pessoas de nossa época estão submersas, inclusive muitos cristãos desavisados! Penso, portanto, que um dos principais méritos desse livro é ser uma resposta para a pergunta dos peixes mais novos: “o que é esse negócio chamado água?”.

E quanto a nós? Em que águas nós temos nadado? Em que mundo nós temos habitado? Em quê temos repousado nossos olhos e ouvidos? Com o que temos nos habituado? Quais são os rituais, as rotinas, as liturgias, que permeam nossa vida? O que marca as nossas conversas? Ou, resumindo: “o que temos visto e ouvido?”

Você já pensou sobre isso? Ou tem nadado como os peixes mais jovens, sem sequer saber que existe uma coisa chamada “água”? Recentemente, tirei um tempo para pensar sobre minha rotina semanal…

Em um dia típico, a primeira coisa que faço ao acordar é desligar o despertador do celular. Depois disso, já com o aparelho em mãos, costumo conferir whatsapp para ver se há algo urgente ou interessante. Daquele momento em diante, até a hora em que preciso colocar minha filhas para dormir, passo pouco tempo sem estar diante de alguma tela. Seja a tela do celular, seja a tela do computador no qual trabalho. Além disso, percebo que tenho poucos momentos de silêncio. Pela manhã, logo cedo, o som agradável das crianças chamando “papai, papai” e chorando querendo sair do berço. No carro, alguma música no fundo. No trabalho, ligações, conversas na sala e outros ruídos típicos de um escritório. Pela noite, após colocar minhas filhas para dormir, depois de jantar e conversar com minha esposa, finalmente pareço abrir mão do digital, voltando para o velho e analógico livro, terminando o dia com a leitura da Biblia. Entretanto, percebo que luto para, nesses momentos, evitar o som das notificações de aplicativos que me interessam e para não gastar ainda mais tempo conferindo qualquer novidade irrelevante que esteja sendo discutida nas mídias sociais.

Não penso que a maioria das pessoas seja tão diferente de mim, nem mesmo os cristãos. Vejo, quando vou almoçar, que a principal companhia, mesmo dos que estão acompanhados, parece ser seu telefone. Na igreja, muitos têm dificuldade de colocar o celular no modo avião e aproveitam aquele instante que a distração vem para checar se existem novidades no whatsapp ou, até mesmo, para acompanhar o resultado de algum jogo de domingo. Não quero aqui advogar um retorno aos “melhores tempos”, quando não haviam tais tecnologias. Não é isso! Não negligencio que elas são uma bênção de Deus. Na verdade, meu ponto não é tanto com elas, mas as uso para chamar atenção para um fato que talvez você não perceba: essa rotina que eu descrevi é um ritual, é um hábito que não só é moldado por nós, mas que também nos molda. Somos transformados pelo que vemos e ouvimos.

Alguns, até aqui, talvez já estejam se perguntando: “o que isso tem a ver com o texto de 1Jo 1.1-4?”

Ora, o que João via e ouvia? O que moldava João? O que o estava transformando? Em que mundo ele vivia? Em que água ele nadava?

O texto de 1João demonstra que existia algo diante dos olhos do apóstolo, diante de seus ouvidos e de suas mãos. Ele se refere a esse algo, que na verdade é um alguém, de inúmeras formas: aquele que era desde o princípio, o Verbo da Vida, o filho de Deus, Jesus Cristo. Um dos aspectos centrais da primeira carta de João é o combate a ideia de que Jesus não teria vindo em carne, o que explica esse prólogo tão permeado pela noção de que Cristo foi alguém visto, ouvido e tocado.

Essa foi uma carta que, provavelmente, foi escrita muito tempo depois da morte de Cristo, mas as memórias do velho apóstolo João sobre seu salvador ainda eram vívidas diante dele. Ele ainda conseguia lembrar de quando havia sido chamado por Cristo estando em companhia de seu pai e seu irmão (Mt 4.21). Os discursos de Jesus, longamente registradas no evangelho que ele havia escrito, continuavam frescos em sua memória. A luz do momento da transfiguração de Cristo ainda brilhava diante de seus olhos (Mt 17.1-13). Ele ainda rememorava o pão compartilhado por Cristo e a sensação de poder encostar-se em seu peito na Santa Ceia (Jo 13.23-25). João não havia se esquecido do julgamento e morte de Cristo. Ele ainda recordava do exato momento em que disse para Pedro, ao reconhecer o Cristo ressurreto os direcionando sobre onde deveriam lançar a rede (Jo 21.7): “É o Senhor!”. Sim, Jesus havia prometido que iria enviar um Consolador, o Espírito Santo, e que Ele não só ensinaria os apóstolos, mas os faria lembrar tudo aquilo que Jesus os havia dito (Jo 14.26). E João se lembrava.

Nos ouvidos de João ecoavam as palavras de Cristo, que ele próprio registrou:

“Eu sou o pão da vida. Aquele que vem a mim nunca mais terá fome; aquele que crê em mim nunca mais terá sede.” (Jo 6.35)

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim.” (Jo 14.6)

“Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3.16)

“E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” (Jo 17.3)

João via Cristo! João ouvia Cristo! João vivia no mundo de Cristo! João se movia em Cristo! João vivia para a Glória de Cristo! A água na qual João nadava era o próprio Cristo!

Nesse ponto, podemos delinear um contraste significativo, especialmente quando lembramos do Salmo 115, que usa uma linguagem similar, mas para falar não daqueles que habitam na cidade de Deus, mas dos que habitam na cidade dos homens!

“Prata e ouro são os ídolos deles, obra das mãos de homens. Têm boca e não falam; têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não ouvem; têm nariz e não cheiram. Suas mãos não apalpam; seus pés não andam; som nenhum lhes sai da garganta. Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam.” (Sl 115)

O salmista está nos falando, primeiro, sobre os ídolos daqueles que não seguem a Deus. Os falsos deuses têm olhos mas não veem, têm boca mas não falam, têm ouvidos mas não ouvem, têm mãos mas não tocam! Só que o mais chocante disso tudo vem no verso 8: “tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam”. O que isso significa? Isso significa que aquele que coloca o seu amor último nos falsos deuses se torna como eles. Não enxerga! Não escuta! Não apalpa! Os ímpios vivem no mundo de Deus como cegos e surdos. Eles vivem no mundo de Deus, no mundo inundado por Deus, no mundo sustentado por Deus, no mundo que foi criado por Deus, mas não veem Deus, pois estão se afogando em seus ídolos e se afogando juntamente com seus ídolos!

Somos transformados pelo que vemos e ouvimos. Aqueles que fixam seus olhos nos ídolos se tornam como eles. Aqueles que fixam seus olhos em Cristo vão sendo transformados, de glória em glória, à imagem de Cristo (2Co 3.18). O que vemos e ouvimos produz em nós, portanto, vida ou morte. O que vemos e ouvimos testemunha se somos vivos ou mortos.

Tenho insistido nessa ideia de que o que contemplamos nos molda. João apresenta pelo menos três transformações pelas quais passamos ao vermos e ouvirmos Cristo.

A primeira delas tem a ver com o aspecto da proclamação. Não deveria nos surpreender que aquela pessoa que, tendo sido impactada pelos hábitos de alimentação saudável (low carb, por exemplo), ou por uma vida que saiu do sedentarismo em direção ao crossfit, nos fale sobre isso. A pessoa que vive no mundo jurídico normalmente tem seu linguajar alterado pelo meio, assim como aquele que ama ver séries do Netflix se regozija comentando sobre o último episódio da “melhor série do ano”. Nós falamos acerca daquilo que temos visto e ouvido! Não é a toa que João repete tantas vezes que ele não só via e ouvia Cristo, mas o proclamava, dava testemunho dele, o anunciava. Os que amam a Cristo, os que vivem no mundo de Cristo, compartilham o evangelho de Cristo. Suas conversas são permeadas pela realidade de que Cristo é o Senhor. Seu cotidiano, ainda que aparente ser igual ao de muitas pessoas que vivem ao seu redor, possui uma motivação diferente e uma finalidade diferente: “O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.

A segunda transformação experimentada pelos que veem e ouvem a Cristo é a realidade de que eles buscam viver e ouvir a Cristo em comunhão com outras pessoas. A vida cristã é uma vida em comunhão com o Pai, com o Filho, com o Espírito Santo e com aqueles que foram alcançados pelo evangelho. Esse é um dos motivos pelo qual proclamamos, para que novas pessoas passem a ter comunhão com Deus e comunhão conosco. Quando habitamos no mundo de Deus, na cidade celestial, não habitamos nela sozinhos. Não é a toa que nosso Senhor nos convocou a compartilhar o pão até que ele venha! Não é sem propósito que nos reunimos aos domingos para ajustar o nosso coração em conformidade com a liturgia da Palavra. O cristão não é um peixe solitário, mas é alguém que sempre nada em cardume.

Finalmente, é na questão da satisfação que se situa a terceira consequência que ver e ouvir Cristo tem. Agostinho começa suas Confissões dizendo para Deus: “Fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti.” Nessa singela sentença, Agostinho nos lembra que o homem sem Deus caminha inquieto e insatisfeito. Os ídolos são exatamente aquelas coisas ou pessoas em quê buscamos nos satisfazer em substituição a Deus. São as coisas ou pessoas que amamos com o amor que deveria ser exclusivamente direcionado a Deus. A grande questão é que fomos feitos para Deus e só nele temos nossa satisfação e alegria! Observem como João termina o texto que lemos nos revelando que todas essas coisas de ver Cristo, tocar Cristo, ouvir Cristo, proclamar Cristo, ter comunhão com irmãos em Cristo e ter comunhão com o próprio Cristo são fundamentais “para que a nossa alegria seja completa.” Quando vemos e ouvimos Cristo, o lugar em que procuramos nossa satisfação é deslocado para o lugar certo, pois é somente em Cristo que podemos experimentar alegria plena.

Os rituais, as liturgias, os hábitos seculares podem até promover algum tipo de satisfação, mas nunca a verdadeira satisfação. Os ídolos prometem descanso e até, por certo tempo, parece que eles conseguem nos fazer repousar, mas é tudo ilusão! Os ídolos não cumprem o que prometem. Os olhos e ouvidos não encontram descanso em outro lugar, o coração não encontra repouso em outra pessoa que não seja Cristo! Somente a habitação em Cristo nos leva a satisfação plena. Consideremos, portanto, atentamente o que temos visto e ouvido, para que possamos declarar, como João, “tenho visto e ouvido aquele que era desde o princípio, o verbo da vida, o filho de Deus, Jesus, o Cristo, e nele tenho encontrado plena alegria.”

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As melhores leituras de 2017

Photo by Aled Llywelyn/Athena Pictures

Em 2017, pela primeira vez, não somente listei mentalmente o que gostaria de ler, mas fiz uma nota no Evernote para poder me organizar melhor. Apesar de não ter me detido plenamente à tal lista, ela me ajudou novamente a conseguir ter um ano recheado de boas leituras!

Posso dizer, com tranquilidade, que esse ano um livro se destacou dentre os demais. Escrevi sobre ele no blog Literatura e Redenção [L&R], então, não entrarei em detalhes. Fica apenas aqui a menção (e o link) sobre o melhor livro de 2017: Notas da Xícara Maluca (N. D. Wilson).

Além disso, no L&R também mencionei três dos melhores livros de literatura lidos em 2017: O Conde de Monte Cristo (Alexandre Dumas), A morte de Ivan Ilitch (Liev Tolstói) e Planolândia (Edwin A. Abbott). Além desses livros, destaco os seguintes:

O zero e o infinito (Arthur Koestler)

“As personagens deste livro são fictícias. As circunstâncias históricas que determinaram seus atos são reais. A vida do homem N. S. Rubachov é uma síntese das vidas de muitos homens que foram vítimas dos chamados Processos de Moscou. A vários deles o Autor conheceu pessoalmente. Este livro é dedicado a sua memória.” Essa dedicatória resume bem do que trata o livro. Caso você, como eu, se interesse pela história do século XX, os desdobramentos do comunismo na URSS e como a mentalidade dos que ali estavam envolvidos funcionava, recomendo vivamente esse livro. É uma ficção extremamente real, que nos ajuda a entrar no coração daqueles que, ao se ajoelharem diante do Estado e do Partido, são capazes de sacrificar suas vidas e as vidas daqueles próximos a si. Aquilo que adoramos transforma aquilo que somos e a forma como agimos.

Pastoreando o coração da criança (Tedd Tripp)

Há bastante tempo vejo indicações desse livro, além das referências em quase todos os outros materiais cristãos sobre criação de filhos que li, quase como se ele fosse um livro-texto sobre tal tema. Realmente, é uma obra valiosíssima. Tedd Tripp nos ensina, a partir de uma antropologia cristã, a pastorear nossos filhos com métodos bíblicos e visando objetivos bíblicos. Penso que todos os pais que buscam educar seus filhos nesses termos devem ler esse livro.

Pais e Fihos (Ivan Turguêniev)

O livro é uma obra-prima, considerado o melhor romance do autor russo. O título reflete um dos temas do livro, que é o relacionamento dos filhos com suas famílias, especialmente a tensão existente entre os conflitos advindos do choque de cosmovisões e o amor (especialmente dos pais) que decorre de uma vida de serviço sacrificial. Entretanto, o que mais me chamou atenção foram os debates e os acontecimentos em torno de Bazárov (alguém que tenta viver a partir de uma visão de mundo niilista). O livro é uma metáfora sobre como a realidade deteriora as falsas visões de mundo ou aqueles que as sustentam. Leitura preciosa.

The myth of religious neutrality (Roy A. Clouser)

Um ensaio sobre as influências das crenças religiosas nas teorias científicas. O autor demonstra a impossibilidade de construir ontologias sem pressupor uma realidade incondicionalmente não-dependente, que atuaria como uma “divindade em si mesmo” regulando toda a formação das teorias científicas — posto que as teorias científicas pressupõem, necessariamente, uma teoria da realidade. Quem quiser conferir um pouco mais, sugiro a leitura do artigo do Guilherme de Carvalho. Em nossa igreja, falei sobre o livro em nossa última edição do evento Cristianismo & Universidade, cujo tema foi: “A ciência é neutra?“.

O prazer de pensar (Theodore Dalrymple)

O autor que mais li nos últimos dois anos foi Theodore Dalrymple. Em 2016, li quatro obras dele, e, em 2017, mais cinco. Dentre essas, eu diria que “O prazer de pensar” é a que mais foge do estilo usual dos seus ensaios. Por exemplo, nos livros “Não com um estrondo, mas com um gemido” e “Viagens aos confins do comunismo” (lidos esse ano), o autor trata de temas eminentemente políticos e demonstra, especialmente no segundo, como as ideias têm consequências. Entretanto, em “O prazer de pensar”, adentramos em textos mais pessoais. Dalrymple abre a biblioteca de sua casa, seus vícios e costumes relacionados aos livros que lê e os sebos que visita. Nesse livro, conhecemos um pouco da vida (e da erudição) de Dalrymple, provavelmente mais que em nenhum outro (dos que já tive a oportunidade de ler). Como alguém que ama livros e gosta demais do autor, o livro foi um deleite.

The passion of the western mind (Richard Tarnas)

Em poucas palavras, esse livro fala sobre a história do pensamento ocidental. Abordando três grandes visões de mundo que moldaram a mente ocidental contemporânea (a Grega, a Cristã e a Moderna), o autor nos leva a um passeio prazeroso. Em uma época em que, como diria o Barney de “How I Met Your Mother”, “New is always better” (algo como “O novo é sempre o melhor), é essencial percebermos como o sábio estava certo ao dizer: “Há alguma coisa que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós.” (Ec 1.10). A obra de Tarnas nos ajuda a pensar como o sábio, ao nos conduzir em uma viagem no tempo para conhecermos o pensamento dos que vieram antes de nós e que ajudaram a formar o nosso. Nada nasce no vácuo!

Reflexões sobre a Revolução na França (Edmund Burke)

Há algum tempo, tenho me interessado mais pela Revolução Francesa — e por política, em geral. Quando na escola, considerava-a um evento peculiar, pois, apesar de ter envolvido muito derramamento de sangue, era tratada acriticamente como absolutamente positiva. Na época, não entendia o que Edmund Burke sintetizou magistralmente em um trecho dessa obra: “Para algumas pessoas, complôs, massacres e assassinatos parecem um preço módico a pagar para a consecução de uma revolução”. O livro é considerado um clássico do conservadorismo, pois vários de seus princípios estão ali tratados — mesmo que não necessariamente de forma sistematizada. Veja, por exemplo, as seguintes palavras do autor: “Estamos demasiado inclinados a considerar as coisas no estado em que as encontramos, sem ponderar suficientemente sobre as causas pelas quais foram produzidas e que devem possivelmente conservá-las”. Apesar das dificuldades que tive ao ler, tanto pelo distanciamento histórico como pelo estilo ininterrupto da obra (não existem capítulos, subdivisões, ou algo assim), a leitura foi bastante proveitosa — precisarei, sem dúvida, repeti-la em breve.

Inteligência Humilhada (Jonas Madureira)

Esse foi o último livro lido em 2017. Conhecia uma parte do material por ter assistido às palestras que o pastor Jonas Madureira deu na Escola Charles Spurgeon. O conceito de inteligência humilhada nos leva a perceber o nosso estado de humilhação diante de Deus, ao mesmo tempo em que nos conduz a observarmos a necessidade de nos humilharmos perante Ele. Um dos aspectos mais prazerosos do livro, para mim, é a constante referência ao magistral livro “Confissões”. Durante a leitura, diversas vezes voltei ao livro de Agostinho e pude, mais que quando o li pela primeira vez, perceber a beleza daquela oração.

As terras fajutas – em A torre negra (C. S. Lewis)

Provavelmente a história que mais teria me inspirado em 2017, não tivesse lido o livro de N. D. Wilson. O livro “A torre negra”, publicado pela Editora Planeta, traz um volume (incompleto, pois foi abandonado por Lewis) que aparentemente daria um rumo diferente à “Trilogia Cósmica”, além de algumas outras histórias. Dentre estas, destacou-se para mim “As terras fajutas”, uma narrativa sobre o coração humano, sobre idolatria, sobre autoconhecimento… falo genericamente para evitar SPOILERS e por pretender escrever algo mais completo sobre isso em 2018. Minha recomendação: leia e medite seriamente na pergunta que Lewis traz pela boca de sua personagem no último parágrafo!

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A era da ingratidão

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Vivemos na era da ingratidão. É verdade que isso talvez não seja algo peculiar da nossa época. A ingratidão é algo presente no coração do homem desde o Éden. Ela estava presente na fala de Adão: “a mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore e eu comi” (Gn 3.12). Adão, após ter recebido a bênção de ter uma auxiliadora idônea, se voltou contra Deus e acusou aquele de quem havia recebido tudo graciosamente. É verdade, então, que a ingratidão caminha com a humanidade desde o seu início. Entretanto, creio que algumas características da nossa sociedade atual tem agravado, ou, no mínimo, trazido à tona esse pecado, evidenciando-o de forma significativa. Isso é visível em, pelo menos, três marcas de nossa época.

Nossa sociedade é autocentrada, ególatra. Pensamos que tudo o que obtemos é fruto de nossas mãos, de nosso trabalho, de nossos méritos. Quando alcançamos algo tendemos a olhar para nós mesmos na busca por entender bem o que nós fizemos para que o que temos fosse por nós obtido. Especialmente entre os mais jovens, e menos experimentados, existe uma forte tendência ao egoísmo, ao senso de autonomia e de independência absolutas. A autonomia humana é, sem dúvida, um dos principais dogmas de nossa época. Cada um é capaz de, por si só, definir o que é melhor. O homem é considerado um ser apto a alcançar todas as coisas pela sua própria capacidade. Assim, o ser humano é colocado no centro do universo. Ora, sendo o homem o centro do universo, basta que ele olhe para si para encontrar todas as respostas, não é mesmo? Quando olhamos só para nós mesmos, como fonte de tudo o que é bom e belo, como podemos ser gratos?

Nossa sociedade exalta os direitos em detrimento dos deveres. Vivemos na Era dos Direitos. O que em outras épocas foi conquistado a duras penas, hoje é considerado como se fosse um dado histórico — algo que nunca vai desaparecer. Ignora-se que a “fragilidade da civilização foi uma das grandes lições do século XX”, como bem disse Theodore Dalrymple. Vemos, por exemplo, a liberdade que possuímos e pensamos que ela sempre existiu e necessariamente continuará existindo, não importa o que aconteça. Não passa por nossas cabeças os sacrifícios feitos ao longo da história para alcançarmos o estágio e a qualidade de vida que temos hoje. Não pensamos nos valores envolvidos na criação e manutenção de uma sociedade civilizada. Esquecemos, até mesmo, que hoje muitos não experimentam o que nós experimentamos em culturas distintas das nossas. “Minhas necessidades têm que ser atendidas, meus direitos têm que ser garantidos” — brada o inconsequente de nossa época — “E não venha me exigir qualquer contrapartida”. Ora, se tudo que eu recebo dos outros é puramente um direito meu e, consequentemente, uma obrigação daquele que me dá, como posso ser grato?

Por fim, vivemos na sociedade do vazio. Por qual motivo o “eu” foi colocado no centro do universo? Pela perda do referencial eterno transcendente daquele que é o Supremo Outro. A famosa declaração de Nietzsche “Deus está morto” decorre de sua conclusão acerca do (suposto) desaparecimento da relevância de Deus para a sociedade. Não podemos ignorar algo da verdade por detrás dessa afirmação. Em muitos sentidos, perdemos o referencial eterno. Deixamos de olhar para o alto. Passamos a olhar para nós mesmos e para as coisas materiais ao nosso redor. Nós passamos a buscar nosso sentido, significado e propósito em coisas puramente materiais e finitas — empregos, relacionamentos, bens, prazer etc. Buscamos a infinitude no finito, mas o finito é pequeno demais, o que faz com que nosso universo fique vazio e vazio de significado.

“Não vos enganeis, meus amados irmãos. Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança.” Tg 1.16-17

Há esperança para nossa ingrata época, como podemos perceber no texto de Tiago. Ele apresenta objeções e caminhos alternativos para as três marcas apresentadas acima. Ele nos lembra que não somos regidos pela lógica do nosso tempo, mas pelas verdades eternas reveladas nas Sagradas Escrituras. A primeira verdade desse texto é: o universo não está vazio. Existe alguém além de nós mesmos e além daquilo que vemos ao nosso redor: o “Pai das Luzes”. Aquele que está para além do universo e acima dele, que sustenta o universo e que criou todas as coisas, é o mesmo que nos dá graciosamente tudo o que há de bom. Deus é a fonte de toda boa dádiva e todo dom perfeito. É interessante notar que a própria necessidade de agradecer aponta para a realidade de que existe alguém a quem ser grato. Em última análise, esse alguém é Deus e é somente com base nessa gratidão que podemos verdadeiramente ser gratos ao nosso próximo.

A segunda verdade é que o “eu” tem um lugar no universo, mas não é em seu centro. Ora, existe alguém que recebe o que é dado por Deus e esse alguém somos nós. É o homem, a humanidade. As Escrituras relatam que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, o ser mais importante dentre os demais, mas ainda assim, uma criatura. O próprio conceito de dignidade da pessoa humana tem raiz no Cristianismo e na realidade de que todos os homens, de todas as raças, de qualquer lugar do mundo, são portadores da imago dei. O homem tem valor, mas não um valor autônomo. A sua importância é dependente de Deus. Foi pelo homem que Cristo se entregou na cruz do Calvário, demonstrando o imenso amor com o qual Deus nos amou. E é ao homem que, diariamente, Deus concede imensas bênçãos, não merecidas, frutos do seu imerecido favor e do seu amor majestoso.

Por fim, a terceira verdade apresentada é a de que aquilo que recebemos, recebemos graciosamente. O que nos é dado é resultado da graça de Deus. O conceito de graça se perdeu a partir do momento que consideramos que tudo que temos foi nos dado por ser nosso direito. Sem graça, não há gratidão. É inegável que muito do que temos é fruto do trabalho das nossas mãos. Entretanto, qual a fonte de nossas forças? Por qual motivo nossa vida prospera? Como conseguimos levantar pela manhã? O ar que respiramos, quem nos dá ele? Quem sustenta, pela palavra do seu poder, todo universo? Acaso, temos algo que não nos foi dado? Não é do alto que vem toda boa dádiva e todo dom perfeito? Esse senso nos conduz à gratidão, pois aquilo que recebemos não é considerado como simplesmente nossa conquista, mas é dádiva de Deus! Essa é uma verdade libertadora. Ela nos liberta das amarras do egoísmo autocentrado, para um senso de dependência e de amor, a Deus e ao próximo. Dentre tudo que Deus nos deu, aquilo de melhor que nos é dado é a vida, morte e ressurreição de Cristo, aquele que desceu do Pai das Luzes, para redimir um povo para si.

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O desespero revela a esperança [ou: Por que amo distopias?]

As pessoas costumam dizer que os jovens são a esperança do futuro. O ideal de progresso, durante muito tempo, conduziu ao pensamento de que a paz perpétua virava à esquina. Duas guerras mundiais, campos de concentração e regimes totalitários (tudo somente no século XX) abalaram um pouco essa fé moderna. Entretanto, por mais variáveis que sejam os discursos, parece inegável que todos colocamos nossas esperanças em algo (ou alguém) — mesmo que na própria consciência do desespero advindo de acreditar, em termos últimos, que não há esperanças. A procura por esperança aqui (em meio ao mundo criado) segue intensa.

Eu amo ler distopias. Distopias são antiutopias. Todos sabemos o que são utopias, mesmo sem termos lido o clássico de Thomas More. Lendo romances, percebi que, dentre as minhas obras preferidas, constavam livros como “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, “Revolução dos Bichos” e “1984” de George Orwell, “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury, “Harrison Bergeron” de Kurt Vonnegut, “A Revolta de Atlas” de Ayn Rand. Um padrão comum nessas obras-primas, mesmo em toda sua imensa diversidade, é a apresentação de uma história ou de um momento (geralmente futuro) distópico. Opressão, tirania, embotamento mental, controle absoluto e desgraça são marcas compartilhadas. Entretanto, o problema da esperança talvez seja, hoje, o que mais me chama atenção.

As visões de mundo utópicas acreditam no desenvolvimento e progresso da sociedade humana em direção a um estado de coisas ideal, no qual não existiriam mais guerras, fome, sofrimento, dor e outras coisas negativas. “Verdadeiro” céu na terra. Uma existência redimida, absolutamente imanente. O grande problema da utopia é chegar num consenso acerca do redentor. Afinal, o que é que há por aqui que deve ter proeminência? Igualdade, liberdade, individualidade, coletividade, tradição, progresso contínuo, conforto, respeito à natureza, tecnologia… Para cada gosto utópico, uma entidade imediata que o satisfaça. O cardápio é cheio de opções. As fotos nele são sempre belas e suculentas. Mas, e quando o prato chega? Nunca é igual ao que está na foto.

Sinceramente, considero essa visão meio enfadonha. Desculpem-me os que discordam. É como aquela visão que alguns (não os cristãos, eu espero) têm do céu: um lugar em que todos vestem branco, ficam o tempo todo cantando músicas monótonas em uma espécie de transe total — nada mais distante da realidade bíblica. Mas esse não é todo o meu problema com a visão utópica, nem mesmo o principal. Para o observador ordinário do mundo, como eu, parece extremamente visível que o problema do mal e do sofrimento não é algo meramente externo, mas sim interno. O problema não está fora do homem, mas vem de dentro do homem. Os cristãos têm um nome antigo (e, para muitos de nossa época, antiquado) para isso: pecado original. Portanto, uma sociedade perfeita aqui e agora (ou no futuro, se simplesmente seguirmos o “roteiro certo”) me parece um absurdo. Todas as sociedades sempre serão compostas por homens. O homem é, justamente, o problema. As distopias, por outro lado, lidam bem melhor com o abismo que vejo dentro de mim — não necessariamente em termos de atualidade, mas, sem dúvidas, de potencialidade.

Antes, pensava que as distopias falavam sobre desesperança. Afinal, quem gostaria de viver sob a constante supervisão do Big Brother orwelliano? E nos EUA de Rand? O leitor que acompanha “o Selvagem” em sua luta contra o “Admirável Mundo Novo”, de Huxley, fica na expectativa de o homem retrógrado alcançar algo, mas as páginas vão passando, o livro vai acabando e a conclusão inevitável parece ser: não dá mais tempo para reviravoltas! Quando a última página é virada, a esperança desaparece totalmente. Era só isso mesmo. Caos, vícios e destruição. A gota de esperança desvanece, na medida em que o livro é lentamente devolvido para seu lugar, para aquele espaço antes vazio. O espaço na estante foi preenchido, mas nosso coração foi, em certo sentido, esvaziado. A distopia revelou-se pelo que ela é: distópica. Mas será que é isso mesmo? Ou, melhor, será que é só isso?

As distopias falam, na realidade, acerca de uma esperança. Ou melhor, elas nos revelam as consequências últimas, num modelo reductio ad absurdum, de determinadas esperanças. O desejo por redenção caminha com o homem desde sua queda. No fim, a descendência da mulher pisará na cabeça da serpente, não é mesmo? Mas quem é esse descendente? E quem é a serpente que precisa ser pisada? A forma como as pessoas respondem a essas questões nos revela em quem (ou no quê) elas esperam. E, em algum sentido, é sobre isso que tratam as distopias. Elas falam sobre esperanças colocadas sobre determinados aspectos criados, que os homens acham por aqui. O problema é que o remédio errado, para um diagnóstico mal feito, não consegue curar a doença. As utopias falam sobre uma esperança de um futuro melhor. As distopias demonstram o desespero advindo de uma esperança deslocada. As utopias e distopias coincidem nas esperanças e divergem nas consequências.

“Admirável Mundo Novo” nos apresenta a busca por redenção através dos prazeres, através do embotamento da mente, das paixões desenfreadas, do lazer e entretenimento sem limites, de uma absurdamente ampla liberdade sexual (se é que podemos usar termo tão ameno). Nisso, nos revela o que ocorre em um mundo (parecido com o nosso, diria), em que a erotização é precoce, os valores tradicionais são destruídos, a tecnologia serve a propósitos reprováveis e a esperança da humanidade reside na busca constante da satisfação de suas paixões — ou, no mínimo, daquele “ruído que nos desvia de pensar na nossa condição” (Blaise Pascal). Algo semelhante a isso é captado por “Fahrenheit 451”. A opressão de Huxley é absolutamente diferente da de Orwell, mas nem por isso é menos predatória. Liberdade é opressão.

O que dizer de “1984”? Orwell criticou, no livro, um modelo socialista de sua época, o stalinismo. Há o culto ao partido e, fundamentalmente, a esperança é toda colocada no Estado. Num modelo de opressão mais direta que Huxley, Orwell introduz ao mundo o famoso Big Brother (não confundam com os “famosos” do Big Brother). Através de aparato tecnológico, tudo vê e tudo escuta. Todas as pessoas existem para (e pelo) Estado. Não há liberdade. Não há verdade, pois aquilo que atende aos interesses do Estado é o que é verdadeiro — nem que para isso seja preciso reescrever a história. Até mesmo a linguagem é completamente adaptada para cumprir fins específicos. Na distopia orwelliana, as pessoas não são autorizadas a pensar — ou, no máximo, só podem pensar nos termos permitidos. Não sei se a arte imita a vida, se a vida imita a arte, ou vice-versa, mas basta olharmos para a história do comunismo do século XX para percebermos que, não somente o futuro distópico de Orwell é real, mas a esperança depositada no Estado e no Partido tem sérias e nefastas consequências — Arthur Koestler, em “O Zero e o Infinito”, captou verdades brilhantes sobre isso.

E o ideal de igualdade? Não seria ele o supremo? Kurt Vonnegut certamente pensava que não. Afinal, em 2081, quando todos finalmente eram iguais, a igualdade só foi possível em virtude da limitação e eliminação daquilo que faz os homens inegavelmente diferentes. “Harrison Bergeron” representava o homem excelente. Para contê-lo, só através da coerção física. Para implantar a igualdade absoluta, haveria por acaso outro caminho? Quando se ama a igualdade acima de todas as coisas, em algum momento o mandamento máximo passa de “Todos os animais são iguais” para “Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros”, como genialmente sintetizou Orwell em “A Revolução dos Bichos”.

A liberdade, o prazer, a igualdade, o Estado… são coisas ruins em si? O problema está nelas? É claro que não! As chaves têm um segredo que encaixa na fechadura certa. Não adianta tentar abrir o carro com a chave da porta da frente de casa. Assim, todas essas coisas são virtuosas em si, desde que sejam colocadas em devida ordem. O grande problema está em considerar essas fontes (de alegria, de bondade e de beleza) como a fonte última de satisfação, de esperança e de descanso. Refrigerante não mata, de fato, a sede. É justamente isso que as distopias nos revelam. Elas preveem, profeticamente, o desespero advindo de colocar a esperança no lugar errado. As distopias captam as esperanças utópicas de uma época, de um lugar, das pessoas em geral, e demonstram o desespero de absolutizar aquilo que é relativo. Não é que não haja esperança. Sem dúvida há. O problema é que nós não encontramos ela por aqui. Precisamos procurar em outro lugar.

 

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Ensinos que transformam: sobre ser um sábio…

2010 foi um ano que mudou minha vida. Nesse ano, diversos ensinos e acontecimentos transformaram substancialmente aquilo que pensava ser meu futuro — em breve, pretendo escrever sobre alguns outros. “O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor” (Pv 16.1). Um desses momentos marcantes se passou dentro do meu antigo carro, possivelmente em um de meus (longos) deslocamentos. Nessa época, calculo que passava, no mínimo, duas horas por dia no trânsito — ainda bem que a gasolina ainda não estava tão cara… Esse tempo me proporcionava uma boa oportunidade para ouvir sermões.

Enquanto me dirigia para a universidade, certo dia, ouvia John Piper pregar (provavelmente em Romanos). Piper falava acerca de um objetivo que tinha para sua igreja — algo bem distante da minha realidade a quilômetros da igreja que Piper pastoreava nos EUA, é verdade, mas meu coração foi profundamente marcado naquele dia. Qual era esse alvo a ser perseguido? A formação de sábios cristãos. Segundo o pastor, a igreja deveria caminhar intencionalmente na formação de homens e mulheres, pessoas experientes, com idade mais avançada, que pudessem ser referenciais no seio da igreja para instrução dos mais novos. Os sábios seriam aqueles que os mais inexperientes buscariam. Os sábios seriam aqueles que estariam aptos a aconselhar e direcionar seus irmãos a caminharem em conformidade com a Sagrada Escritura em todas as áreas de sua vida.

Por que isso me marcou tanto? Em primeiro lugar, por ser um objetivo extremamente digno e bíblico. O sábio, em Provérbios (capítulo 2, por exemplo), nos insta a perseguir a sabedoria como quem persegue as riquezas. Ele diz que aquele que encontrar a sabedoria entenderá o que significa temer ao Senhor, compreenderá o que é justo, direito e certo! O sábio, ao mesmo tempo que aprende os caminhos do bem, alcança, através da sabedoria, um verdadeiro prazer em sua alma, um deleite que advém das veredas da justiça. Quem lê as sagradas letras, em especial o livro de Provérbios, ouve o clamor da Sabedoria: “Vocês, inexperientes, adquiram a prudência; e vocês, tolos, tenham bom senso. […] Amo os que me amam [a Sabedoria], e quem me procura me encontra.” (Pv 8.5,17). Como é honrada a meta de tornar-se um sábio e quão adequado é que uma igreja persiga a sabedoria. “Eu gostaria de me tornar um desses homens”, logo pensei.

Em segundo lugar, fui marcado pela realidade não-imediatista do objetivo. O que quero dizer com isso? Um sábio não se faz do dia para a noite! Não é à toa que, ao pensarmos em um indivíduo sábio, os cabelos brancos permeiam nossa imaginação (“O cabelo grisalho é uma coroa de esplendor, e se obtém mediante uma vida justa.” Pv 16.31). As rugas ao lado dos olhos são profundas. Suas mãos estão calejadas. Entretanto, de sua boca saem palavras preenchidas com um conhecimento que enche nosso coração de vida, “a língua dos sábios traz a cura” (Pv 12.18). A sala cheia se silencia, na expectativa de ouvir aquilo que o sábio tem a dizer. “O coração do sábio ensina a sua boca, e os seus lábios promovem a instrução” (Pv 16.23). Tornar-se sábio é uma meta de longo prazo… Para nos tornarmos sábios, Deus requer de nós paciência e dependência dele. “É preciso toda uma vida, sendo moldado, para tornar-me um desses homens”.

Esse ponto contrasta fortemente com nossa era. Nossos jovens, e eu me incluo nisso, pensam tudo em termos de curto prazo. Afinal, suas dúvidas são “respondidas” com uma breve pesquisa no Google — quem ainda tem a enciclopédia Barsa? O toque de um dedo no smartphone abre aplicativos que fazem verdadeiras maravilhas. Os bens são, cada vez mais, adquiríveis e substituíveis rapidamente — o iPhone 7S deve aparecer em breve. As séries e filmes que consumimos diariamente comprimem uma vida inteira em poucos minutos, destacando apenas os momentos de grandes emoções (positivas ou negativas) — quão chata nos parece nossa própria existência diante disso, tantas vezes. Vivemos na era do “aqui e agora”, no período em que nada está tão distante que não possa ser alcançado, da internet de 30MB, do streaming, do fast food, do delivery… São tantas bênçãos, mas que podem se tornar verdadeiras maldições ao serem acompanhadas pela tolice do coração humano e ao ajudarem a moldar o coração humano em direção à tolice. Nos parece melhor um marshmallow agora do que dois em 15 minutos.

No fim das contas, esse sermão redirecionou-me de várias formas. Hoje, sonho em ser um homem sábio. Ainda sou bastante jovem e tolo. Vejo-me constantemente no livro de Provérbios do lado errado da vida: “Quando são muitas as palavras, o pecado está presente, mas quem controla a língua é sensato.” (Pv 10.19). Entretanto, tenho almejado e perseguido isso diariamente. Hoje, penso mais em termos de longo prazo em tudo o que faço. Amar a Deus e ao próximo é para a vida toda. Viver para a glória de Deus (em meio ao casamento, ao trabalho, ao serviço na igreja, à criação de filhos, aos estudos…) dura toda uma existência. E os frutos de uma vida assim? Só consigo dizer, por hora, algo que aprendi na escola: o fruto reflete os nutrientes do solo. O que esperar dos frutos de um coração e uma vida enraizados no temor do Senhor, que é o princípio da sabedoria (Pv 1.7)?

“Como é feliz o homem que me [a Sabedoria] ouve, vigiando diariamente à minha porta, esperando junto às portas da minha casa. Pois todo aquele que me encontra, encontra a vida, e recebe o favor do Senhor. Mas aquele que de mim se afasta, a si mesmo se agride; todos os que me odeiam amam a morte.” (Pv 8.34-36).

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As melhores leituras de 2016

Stack Of Books

Ano passado, quando fiz minha lista com as melhores leituras de 2015, observei que não consegui sequer chegar a 10 livros. Não foi por ter lido menos que em anos anteriores, mas, imagino, por ter escolhido mal os livros que li. Em 2016, meu projeto era diferente. Pretendia chegar ao fim do ano em um cenário que fosse fácil selecionar minhas leituras favoritas e, graças a Deus, isso se cumpriu.

Diário do Subsolo — Fiódor Dostoiévski

Ano passado, “Crime e Castigo” figurou na lista dos melhores livros lidos. Este ano, novamente, Dostoiévski marca sua presença. Diferentemente de “Crime e Castigo”, “Diário do Subsolo” é uma história curta e com um enredo substancialmente menor. Entretanto, assim como acontece ao convivermos com Raskolnikóv, Dostoiévski faz com que adentremos nos pensamentos mais profundos do narrador-personagem, revelando, assim, muito do que permeia o subsolo do nosso próprio imaginário distorcido pela Queda. Alguns dos temas que permeiam essa belíssima obra são a crítica ao ideal moderno de progresso, ao otimismo (ainda visto em nossos dias) e à noção de absoluto controle técnico-científico da natureza e vontade humanas.

Nossa cultura… ou o que restou dela — Theodore Dalrymple

Em 2016, li quatro obras de Dalrymple: “Vida na Sarjeta”, “Nossa cultura… ou o que restou dela”, “Podres de Mimados” e “Em defesa do preconceito”. Foi o autor que mais li esse ano. Gostei de todas. As três primeiras poderiam figurar entre minhas favoritas. Entretanto, nenhuma delas, penso, expressa a genialidade desse ensaísta inglês como o “Nossa cultura…”. A frase de abertura ao prefácio do livro — “A fragilidade da civilização foi uma das grandes lições do século XX” — sintetiza bem qual a intenção do autor: tratar de verdades perenes e universais que serviram e servem de base para a construção da civilização que conhecemos hoje. Considerando que o estado fundamental do homem é o da miséria, a questão a ser levantada é: quais valores o conduziram à prosperidade? O que precisamos fazer para sustentarmos esse (frágil, é verdade) status de civilização do qual podemos desfrutar na atualidade? Questões como essas (e muitas outras), são tratadas com um realismo brutal — característico de alguém que vem lidando com desgraças cotidianas ao longo de toda sua vida — além de com um belíssimo estilo, imensa clareza e grande simplicidade.

O caminho da servidão – F. A. Hayek

“O caminho da servidão” é um livro muito recomendado pelos que defendem o liberalismo econômico clássico. Entretanto, muito mais que um livro de economia, penso que Hayek escreveu um livro sobre cosmovisões em conflito (ou, talvez, ideologias em conflito). Tendo sido escrito em 1944 pelo economista — prêmio Nobel em 1974 — numa época em que o socialismo estava em ascensão no âmbito político-econômico, o livro tem um tom quase profético, ao antever as “consequências imprevistas inevitáveis” do modelo de planificação econômica, inclusive, sua consequência mais nefasta: o totalitarismo. Vivendo em um país como o Brasil, que quase hegemonicamente defende mais e mais intervenção estatal para solução dos inúmeros problemas existentes, esse livro nos ajuda a colocar as ideias em seus devidos lugares, percebendo os riscos inerentes ao crescimento do Estado e a consequente redução do indivíduo.

Macbeth — William Shakespeare

“Todo o oceano do potente Netuno poderia de tanto sangue a mão deixar-me limpa?” — questiona Macbeth, após assassinar o Rei Duncan, ao que ele mesmo responde: “Não; antes minha mão faria púrpura do mar universal, tornando rubro o que em si mesmo é verde”. Existem temas universais na literatura, muitos tratados nessa obra: luta por poder, destino, traição, culpa, guerra… Os conflitos morais presentes, marcados por diálogos geniais e declarações que de tão terríveis são belas (como a que destaquei acima), dão uma dinâmica ao livro que nos dá aquele desejo, que todo leitor já experimentou, de querer ler tudo de uma vez só.

Conflito de Visões — Thomas Sowell

Thomas Sowell aborda as “origens ideológicas das lutas políticas” com extrema destreza. Penso que esse seja um livro fundamental no debate político brasileiro contemporâneo. Muitas pessoas falham em perceber que por detrás dos discursos e discussões do cenário público subjaz, na realidade, um conflito de visões de mundo distintas — compostas por pressuposições extremamente diferentes e, em muitos casos, irreconciliáveis. Esse livro ajuda o leitor a entender como é possível os diferentes lados do conflito político defenderem, na aparência, a mesma coisa, mas com conotações totalmente distintas. Liberdade para um marxista não significa o mesmo que liberdade para um libertário. Igualdade para um conservador é diferente de igualdade para um socialista. Por que isso ocorre? Sowell nos esclarece.

Pecados Intocáveis — Jerry Bridges

Esse foi o livro mais desafiador do ano. O autor coloca o dedo na ferida e nos apresenta, com imensa clareza, como várias de nossas ações cotidianas que perderam o “status” de pecado (em nosso coração) e/ou consideramos como “pecadinhos”, são pecados sérios que cometemos diante do Deus santo. Calvino dizia que o “conhecimento de nós mesmos”, juntamente com o “conhecimento de Deus”, é parte fundamental da sabedoria. Jerry Bridges escancara diante de nossos olhos uma parte de nosso coração com que nos acostumamos e consideramos aceitável, mas que permanece abominável diante de Deus. Entretanto, ele não para por aí, pois nos lembra sempre do evangelho bíblico, que nos redime e que nos dá a verdadeira esperança.

A anatomia de uma dor — C. S. Lewis

“Ninguém me disse que o luto se parecia tanto com o medo. Não estou com medo, mas a sensação é a mesma. A mesma agitação no estômago, a mesma inquietação, o bocejo, a boca seca.”. Assim Lewis inicia o mais triste de seus livros (pelo menos dos que li). Escrito após a perda de sua esposa, é um livro que contém trechos que assustam pela sua honestidade e que são, até mesmo, difíceis de serem compreendidos (e, quem sabe, aceitos em “nossa” ortodoxia). Em certos momentos, lembrei-me do salmista que rasgava o seu coração diante de Deus em passagens que escandalizam nossos olhos e ouvidos sensibilizados pela cultura do politicamente correto.

Trilogy — Francis A. Schaeffer

Em 2010, comprei o livro “Trilogy”, de Schaeffer. Esse livro nada mais é que a união dos seus três livros mais conhecidos: “O Deus que intervém”, “O Deus que se Revela” e “Morte da razão” — publicados em português pela editora Cultura Cristã. Apesar de pouco ter lido Schaeffer, a sensação foi de rever um “velho conhecido”, provavelmente pela influência do pastor de nossa igreja (Allen Porto), que é um estudioso do pensamento do fundador do L’Abri. O livro revela um vasto conhecimento filosófico, uma análise cultural fantástica, uma preocupação estética diferenciada e uma busca por apresentar a necessidade de o Cristianismo se engajar em uma cultura que está para além da linha do desespero. O Cristianismo é a “Verdade com V Maiúsculo”, disse Schaeffer certa vez, portanto precisamos compreender todo o mundo a partir de uma cosmovisão que seja distintamente cristã. Esses três livros nos ajudam muito nessa tarefa.

Visões e Ilusões Políticas — David T. Koyzis

Caso eu tivesse que escolher um livro marcante de 2016, provavelmente seria esse. Este ano tive a oportunidade de ler várias críticas e uma boa quantidade de materiais sobre política — afinal, foi um ano em que o cenário político brasileiro e mundial teve algumas viradas interessantes. Como o subtítulo propõe, o livro faz “Uma análise & crítica cristã das ideologias contemporâneas”, tratando das principais ideologias que compõem nosso cenário político, como liberalismo, conservadorismo, nacionalismo, democracia e marxismo. Em seu primeiro capítulo, temos uma síntese da parte crítica do livro: “Como as idolatrias bíblicas, cada ideologia se fundamenta no ato de isolar um elemento da totalidade criada, elevando-o acima do resto da criação e fazendo com que esta orbite em torno desse elemento e o sirva”. Escrevi mais sobre esse livro aqui. Leitura excepcional para todos que querem entender melhor as visões políticas, que muito comumente são nada mais que ilusões.

O Rei sem Sombra — R. C. Sproul

R. C. Sproul é conhecido por sua expertise teológica. Seus livros são muito bem recebidos no meio reformado e altamente recomendados. Na primeira lista de livros que fiz para o blog, em referência ao ano de 2010, o autor aparece com o livro que, literalmente, colocou várias das pressuposições que eu tinha acerca da doutrina da salvação em xeque, o que posteriormente me conduziu a abraçar as maravilhosas Doutrinas da Graça. Em 2016, entretanto, conheci melhor o R. C. Sproul que escreve para crianças, em livros como: “A Luz do Mundo”, “O Rei sem Sombra”, “O Príncipe e a Taça de Veneno” — já conhecia “O Sacerdote com a Roupa Suja”, meu favorito. Resolvi, portanto, colocar um de seus livros como emblema disso. Escrever para crianças com clareza e fidelidade bíblica é uma tarefa difícil e muito honrada. Afinal, quem é o “Rei sem Sombra”? Leia. Vale a pena descobrir.

Aproveito para indicar 10 outros livros que li em 2016 e que valem muito a pena conferir:

– “Imaginação Totalitária” — Francisco Razzo;
– “Política” — Johannes Althusius;
– “Raízes da Cultura Ocidental” — Herman Dooyeweerd;
– “Contornos da Filosofia Cristã” — L. Kalsbeek;
– “O peso da glória” — C. S. Lewis;
– “Vamos ao que interessa” — João Pereira Coutinho;
– “Bullies” — Ben Shapiro;
– “Contra a Idolatria do Estado” — Franklin Ferreira;
– “Jornada para o Inferno” — John Bunyan;
– “Você se torna aquilo que adora” — G. K. Beale.

Até 2017 e que Deus nos abençoe para escolhermos bem os livros que leremos neste novo ano!

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O Crime é o Castigo

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Somos moldados à imagem e semelhança daquilo em que depositamos nossa esperança. Esse ego, aquele que “somos”, revela-se nas ações concretas do dia a dia (refletidas ou não), nas decisões que tomamos (significativas ou insignificantes), em nossas palavras (ditas ou silenciadas), naquelas coisas com as quais mais gastamos nosso tempo e em que investimos nosso dinheiro. O sábio diria, afinal, que “do coração procedem as fontes de vida”. Em nossas atitudes nos apresentamos e damos, assim, fortes indicativos daquilo que nos move, em que nós colocamos nossas expectativas e onde buscamos nossa satisfação.

Chesterton certa vez disse que “toda grande literatura sempre foi alegórica, alegórica de um aspecto do universo inteiro”. “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, confirma tal frase. Um romance que dispensa maiores apresentações, abordando inúmeros temas universais de uma forma atemporal, “Crime e Castigo” lida com o homem e alguns de seus dilemas, os quais permanecem incólumes deste lado da Queda. Raskolnikóv, seu personagem central, batalha com questões pessoais, familiares, relativas aos seus estudos, trabalho e sustento, como todos os seres humanos o fazem. A universalidade, portanto, em grande parte decorre da familiaridade que o leitor encontra no texto em comparação com sua experiência da totalidade da vida ordinária.

Como todos os seres humanos, Raskolnikóv possuía uma esperança. Ele a revelou ao responder a Porfíri sobre um artigo de sua autoria, acerca da humanidade. Nesse artigo, Raskolnikóv sustentava que os seres humanos (catalogados por ele como) “extraordinários” iriam construir o futuro, a despeito da resistência conservadora do passado que os seres humanos “ordinários” possuíam. E esse futuro, em consonância com o familiar ideal moderno de progresso, seria algo melhor, caminhando em direção à Nova Jerusalém. A esperança de Raskolnikóv, portanto, estava depositada no homem “extraordinário”, naqueles que seriam capazes, em sua geração, de dizer uma nova palavra, que transgrediriam as normas existentes e destruiriam a ordem atual, em prol de um mundo melhor que seria construído a partir de seus crimes (relativos ao seu tempo, como um bom historicismo defenderia). Essa minoria de indivíduos, “quem sabe, um só entre dez mil”, seriam os “timoneiros da humanidade” — homens como Napoleão, Newton, Sólon, Maomé. As fichas de Raskolnikóv estavam apostadas nesse homem autônomo, forte, genial. Seu futuro, ele cria, dependeria desse homem — o que de fato ocorreu, pois seu presente foi profundamente afetado por ele.

A partir dessa esperança, Raskolnikóv enxergava o mundo. Ele vivia no mundo a partir dela. A decisão mais fundamental em toda a trama confirma isso. Em um ato premeditado, Raskolnikóv planejou e executou o assassinato de Aliona Ivânovna, a velha usurária com quem Raskolnikóv penhorou inúmeros de seus bens na tentativa de sobreviver na hostil São Petersburgo. A justificativa racional de Raskolnikóv para tal ato, ele confessou em uma das frases mais marcantes do livro: “Acontece, Sônia, que matei apenas um piolho — inútil, nojento e nocivo”. Ele não havia matado um ser humano, pois o humano “ordinário”, em sua visão, não era homem de fato. Ele matou um piolho, uma excrescência. Removeu uma pedra que atrapalhava o seu caminho, que o impedia de se desenvolver, que o impedia de ser quem ele verdadeiramente era: um homem “extraordinário”. Razumíkin, ao fim da discussão entre Raskolnikóv e Porfíri relatada acima, assustado com o pensamento de seu amigo, afirmou: “justificas o sangue com a consciência”. Não sabia, ainda, que ele justificava o sangue que com suas próprias mãos havia derramado. Raskolnikóv, em seu ato criminoso, tornou-se como aquele em quem colocou sua esperança. A esperança define a vida… Nada que o salmista não tenha antevisto:

“Tornem-se semelhantes a eles [os ídolos] os que os fazem e quantos neles confiam” (Sl. 115.8)

Ora, se a esperança define a vida, é óbvio que a falsa esperança, a busca de satisfação, sentido e significado no lugar errado, conduzem a vida à destruição. Não foi isso que aconteceu com Raskolnikóv? Sua visão reducionista do homem, tomada por ele como se fosse o todo e não meramente um recorte científico pessoal, fez com que ele criasse um ídolo para si mesmo, uma fonte de onde beberia a água que mataria a sua sede. Não sabia, ainda, que os falsos deuses nunca entregam aquilo que prometem. Descobriu isso da pior forma. As promessas de prosperidade, de um futuro melhor, de tempo para dedicar-se aos seus estudos, de reconhecimento acadêmico e de paz não foram cumpridas. Pelo contrário, o livro retrata um homem que se move em direção ao absoluto desespero. As ideias possuem consequências. E o crime cometido por Raskolnikóv foi consequência de um crime anterior que cometera na raiz fundamental do seu ser: entregar sua confiança última para um artefato construído com suas próprias mãos.

O próprio crime de Raskolnikóv, portanto, é o seu castigo. A agonia pela qual passou após seu delito poderia ser explicada, com fidelidade, pelas palavras de Macbeth: “Todo oceano do potente Netuno poderia de tanto sangue a mão deixar-me limpa? Não; antes minha mão faria púrpura do mar universal, tornando rubro o que em si mesmo é verde”. Todos os sentimentos de culpa, de desespero, de insatisfação, de perseguição paranoica sentidos por Raskolnikóv demonstram que, de fato, ele já havia sido punido e estava sendo punido. Não havia redenção para ele. Seu crime, na realidade, fora o castigo — a consequência — de suas ideias, de seus pensamentos, do recorte da realidade que fez, da redução da humanidade, de sua falsa esperança nos homens “extraordinários”. Seu crime foi um castigo dado ao seu crime original de idolatria. Ele passou a viver preso. Por mais que estivesse livre de amarras externas, as amarras internas o constrangiam.

Dostoiévski, no ato final do livro, revela que cria na conexão profunda entre aquilo em que nós confiamos de forma última, aquilo que nós somos e como agimos. Não é à toa que, para expressar a redenção de Raskolnikóv — de uma forma absurdamente quieta, devagar e silenciosa, em oposição ao desespero existencial do personagem ao longo de todo o livro —, Dostoiévski aponta para uma dimensão interna, para o coração, para o lugar central da existência do homem. Ao fim do livro, Raskolnikóv foi levado a amar Sônia, Raskolnikóv ressuscitou, Raskolnikóv conheceu o Evangelho. Encontrou paz e redenção. Na prisão foi liberto. Sua esperança foi transformada e, com ela, ele foi transformado. Afinal, somos moldados à imagem e semelhança daquilo em que depositamos nossa esperança.

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Pensamentos preliminares sobre a harmonia, o cristão e a economia

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Não entendo nada de música. Minha sensibilidade artística não foi muito desenvolvida, o que faz com que eu tenha uma verdadeira deficiência em relação à apreciação das belas artes. Entretanto, isso não significa que não reconheça elementos belos ou que não os admire — por mais que não entenda sempre e perfeitamente o que está acontecendo. O senso estético, graças a Deus, parece estar em todos nós. Mesmo o mais insensível dos homens parece ter dificuldade em ignorar a beleza do sorriso de um bebê. Consigo ver a grandiosidade do tratamento que Dostoiévski deu à culpa real de Raskólnikov em “Crime e Castigo”, ou apreciar a sutileza da “Noite Estrelada” de Vincent van Gogh e, inclusive, me impressionar com o álbum “As Quatro Estações” de Vivaldi — que tenho tido a oportunidade de ouvir graças à maravilha dos sistemas de streaming musical.

Por mais que não saiba quais são os instrumentos tocados, que não consiga distinguir com clareza as notas musicais ou mesmo entender exatamente o papel do maestro e os movimentos de seus braços, algo inegável percebo na obra de Vivaldi: existe harmonia. Cada instrumento ocupa seu espaço, entra no momento correto, com o tom e o ritmo adequado, o que possibilita que o ouvinte possa captar a intenção do artista e apreciar a beleza de sua obra de arte. Até o volume do som, algo que parece simplório, cumpre um papel interessantíssimo na obra como um todo. Assim é a vida. Assim buscamos viver. Harmonicamente em meio ao aparente caos de conciliar e desenvolver os diversos aspectos da existência.

Na palestra “Christianity and Economics”, o professor emérito da Universidade Livre de Amsterdã, Bob Goudzwaard, afirma que: “A maior parte dos cristãos parece seguir a visão de que suas opiniões sobre economia dizem respeito somente ao âmbito privado. Você as tem e as defende simplesmente para você mesmo; elas não são, ou são apenas indiretamente, relacionadas com a sua confissão cristã”[1]. Nessa sentença ele denuncia um dos grandes problemas da visão dominante na vida cristã contemporânea: o dualismo secular vs. sagrado. Tal dicotomização não é exclusiva do contexto econômico, mas expande-se para todas as áreas da vida, transformando o cristão em um indivíduo que vive de formas incompatíveis nos âmbitos público e privado, sem que, muitas vezes, ele sequer o perceba[2]. Seria essa uma visão realmente cristã de mundo?

Bob Goudzwaard afirma: “Em consonância com o Evangelho de João, capítulo 1, no qual Deus Pai traz a criação à existência por meio da sua Palavra (Deus Filho), através do seu fôlego (Deus Espírito), nós podemos até mesmo falar desse mundo como criado para dar uma resposta ao Deus Triúno, sendo assim, é dotado de uma ‘estrutura de resposta’ (Bernard Zijlstra). Esse mundo é obviamente criado de tal forma que tudo, de seu próprio modo, está relacionado com o multi-colorido chamado da humanidade de responder a esse Deus que fala, no diálogo que chamamos de história humana”[3]. Em outras palavras, podemos afirmar que, sendo Deus o criador de todas as coisas, ele as criou com estruturas pré-definidas, cabendo ao homem o papel de buscá-las, entendê-las e aplicá-las em conformidade com o significado determinado por Deus para cada uma delas.

Essa realidade é aplicável a todas as diversas esferas de existência do homem. Em todas as relações do indivíduo com o próximo, com a natureza, com Deus e consigo mesmo, cabe ao homem buscar compreender aquilo que Deus determinou, para que possa, assim, viver da melhor forma possível — pela ordem segundo a qual a criação foi trazida à existência. Ao submetermos todo o nosso conhecimento, toda a nossa vontade e todos os nossos sentimentos ao Senhor do Universo, em todas as áreas de nossa vida, estamos glorificando ao único digno de glória, que se revelou a nós nas Escrituras Sagradas, na natureza criada e no seu único filho, Jesus Cristo.

Isso significa, para o cristão interessado no estudo da economia, que seu papel é buscar compreender a estrutura econômica a partir de uma cosmovisão distintamente cristã. Essa busca envolve a tentativa de — através do estudo diligente da economia, de sua história, das inúmeras correntes existentes, das relações humanas etc — descobrir as normas que Deus imprimiu em sua criação, as quais regem as relações econômicas. Isso poderá redundar em sérios questionamentos e denúncias em relação ao pensamento dominante na área econômica (como é visível na palestra “Christianity and Economics”), ou, até mesmo, em radicais reconsiderações de inúmeros conceitos já plenamente aceitos nesse meio — mas que, por estarem absolutamente carregados de pressupostos incompatíveis com a cosmovisão cristã, não podem ser admitidos pelo estudioso cristão de forma acrítica. Sem dúvidas, essa é uma tarefa árdua[4]. Entretanto, é necessária aos que buscam honrar e glorificar a Deus em todas as coisas, como nos demanda o apóstolo Paulo: “quer comais quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31).

“As Quatro Estações” de Vivaldi apresenta uma beleza singular. Ela é simples e complexa, para um leigo como eu. Quanto mais seria o universo criado? Deus é seu grande autor e regente. Com uma maestria inigualável, escreveu inúmeras partituras, para os mais diversificados instrumentos. As notas, arranjos e ritmos do violino não são os mesmos para o violoncelo. Os instrumentos, de forma isolada, possuem beleza, mas são insuficientes. Nessa orquestra, todos têm seu papel, tempo e formato próprio. Há uma mistura belíssima, pois sem a flauta não podemos entender bem o que o trompete está expressando, sem o clarinete o som da tuba perde significado. Assim é o cristão e as diversas áreas da vida. Os aspectos econômico, biológico, político, lógico, mecânico etc. possuem suas leis próprias e verdades inerentes, conforme criadas pelo próprio Deus. Ao mesmo tempo, relacionam-se de forma não exclusivista. Cabe aos indivíduos, com o auxílio da graça de Deus, buscar compreender essas verdades, conforme as vocações dadas pelo próprio Deus, nas diversas áreas para as quais Deus os convocou.

É fato que, em virtude das limitações dos que tocam, distorções são perceptíveis e, para muitos, a orquestra não soa tão bela assim — ou soa, até mesmo, trágica e intragável. Há aqueles, entretanto, que, pela revelação do regente e autor, anseiam e anelam pelo momento em que a sinfonia será completamente restaurada ao seu propósito original. Até lá, esses devem esmerar-se para cada vez mais executar seu instrumento da maneira correta, conforme a vontade daquele que os criou, em busca de harmonia com os demais instrumentos. Quão bela será essa composição, afinal, mesmo para quem não entende nada de música.

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[1] Tradução livre do seguinte trecho da palestra: “[…] most christian seem to hold the view that opinions about economic matters belong to the private realm. You have and hold them just for your own; they are not, or only very indirectly, related to the christian confession”.

[2] Para análise dessa dicotomia a partir de uma perspectiva cristã: “Verdade Absoluta”, de Nancy Pearcey; “O Deus que Intervém”, de Francis Schaeffer; e “Raízes da Cultura Ocidental”, de Herman Dooyeweerd. No blog, o texto “Cristãos, para o armário” fala um pouco sobre o processo de privatização da fé.

[3] Tradução livre do seguinte trecho da palestra: “In accordance with the Gospel of John, Chapter 1, where God the Father speaks His creation into existence by His Word (Son) through His Breath (the Holy Spirit), we can even speak of this world as created to give Answer to the Triune God, and therefore endowed with an “answer structure” (Bernard Zijlstra). This world is obviously created in such a way that everything in it is in one way or another related to the multicolored calling of mankind to give answer to this speaking God, in the dialogue which we call human history”.

[4] Pretendo traçar algumas considerações nesse sentido, em futuros textos para o blog, a partir da palestra do professor Bob Goudzwaard. Não são poucos os cristãos que têm buscado isso. Recentemente, por exemplo, a editora Vida Nova lançou os livros “A pobreza das nações” e “Economia e Política na Cosmovisão Cristã”, de Wayne Grudem e Barry Asmus, que tratam do tema em discussão. O autor citado, Bob Goudzwaard, possui larga bibliografia no tema.

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Deus, minha muleta?


É comum as pessoas dizerem que Deus, ou a fé em Deus, ou o Cristianismo, funcionam como muletas. Pessoas fracas precisam dessas muletas para que encontrem algum sentido em sua vida e, assim, possam caminhar. Os indivíduos mais evoluídos, fortes e independentes conseguem viver sua vida sem esses apoios. As pessoas atacam cristãos afirmando que Deus é sua muleta. Elas acham que os estão ofendendo. Não sabem de nada. Na realidade, entendo que o grande problema com essa afirmação não é a ofensa que ela supostamente carrega, mas o elogio exagerado que certamente pressupõe.

Quem precisa de muleta? Pessoas que detêm alguma habilidade de andar. Pessoas que têm apenas limitações superáveis em sua capacidade de locomoção. Nós, cristãos, sabemos não ser esse o nosso caso. Na realidade, se fôssemos usar uma analogia semelhante, teríamos que dizer que somos desprovidos de pernas. Deus seria as nossas pernas. Não só isso, seria também o nosso cérebro, dando as direções para onde nossas pernas devem nos levar. Um cristão é alguém que entendeu em seu coração, por intermédio da soberana revelação de Deus, que estava absolutamente morto em seus delitos e pecados. Além disso, entendeu, pela graça e misericórdia de Deus, que ele – por si próprio – não desejava sair dessa condição. É esse indivíduo que, mesmo sendo miserável em absoluto, é resgatado por Deus de seu estado. É ele que recebe vida do próprio Deus. Um cristão, portanto, é alguém absolutamente humilhado. Não tem muleta que o tire de seu estado. Não tem muleta que o auxilie no andar, pois ele está morto. Como poderia se mexer? Ou sequer pensar em se mexer? Um morto não necessita de muleta. O que ele precisa é de vida.

Descrever Deus como nossa muleta é um elogio muito grande para nós. Um elogio absolutamente indevido e falso. Somente quem percebe em si alguma habilidade, alguma capacidade, algum valor à parte de Deus, pode ter uma muleta para ajudar em sua caminhada – os indivíduos que pensam ser autônomos, ironicamente, são os que precisam e usam suas várias muletas todos os dias. Somente quem acha que pode andar é capaz de se apoiar em suas muletas. O cristão sabe que ou Deus é a sua vida inteira ou ele não é nada. O cristão é um ser humilhado, sem dúvidas, mas ele crê naquele que é o mais exaltado.

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O que cresce mais rápido?

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Antes de Carolina nascer, algumas coisas me foram ditas inúmeras vezes. Grande parte delas enfatizava o fato de que o amor que passaria a experimentar, da relação de paternidade, era algo belo e maravilhoso… Em minha vida, fui muito amado pelos meus pais. Nenhum dos dois são muito fãs de grandes demonstrações de afeto, é verdade, mas nunca duvidei do amor que eles têm em relação a mim. Eu os amo também — algo que digo muito pouco. Talvez pareça tolice, mas eu me questiono o motivo disso. Por que amamos tanto nossos filhos?

Observo que existem muitos motivos. Gostaria de enfatizar apenas um que chama minha atenção, especialmente em nossa época, que tem no afeto um de seus grandes ídolos. Amamos muito nossos filhos por nos sacrificarmos tanto por eles. Dizendo de outra forma: amamos muito nossos filhos por dedicarmos grande parte de nossa vida, nosso tempo, nosso dinheiro, nossas energias, nosso ser, em sua criação. A maioria das pessoas, nesse ponto, acha que a relação é contrária, ou seja, é o nosso amor (sentimento) por nossos filhos que nos faz sacrificar-nos por eles. O afeto, portanto, seria a fonte da ação. E aí? Será mesmo?

Acredito que as duas coisas são verdadeiras e complementares. Penso, ainda, algo mais: a ênfase exagerada na segunda percepção (agirmos por amarmos) em detrimento da primeira (amamos por agirmos) é uma das causas do esfacelamento dos relacionamentos em nosso contexto cultural. Explico. O amor hoje é visto meramente como um sentimento, como uma questão afetiva, puramente emocional. Sendo assim, é natural que ele produza relacionamentos fluidos. Relacionamentos sujeitos as variações naturais às quais os sentimentos estão sujeitos. Afinal, é da própria natureza dos sentimentos estar sujeito a variações. Nesse contexto, a frase “eu não te amo mais” passou a ser lugar-comum para justificar o fim de namoros, casamentos, amizades etc… O amor como afeto produz ações, é verdade, mas meramente enquanto tal amor está em alta.

Carolina tem crescido num ritmo muito elevado. Ela duplicou de peso em 3 meses — é como se, em três meses, eu passasse a pesar 210 kg (sim, eu peso 105 kg). Nesse meio tempo, nosso amor por ela cresceu muito mais que isso. Quando ela nasceu, já havíamos dedicado 9 meses de nossa vida a ela. Já havíamos investido muito tempo planejando e executando as coisas para que, ao nascer, ela tivesse um lar acolhedor. E nosso amor só cresceu com tudo isso. Nos preocupamos inúmeras vezes com seu desenvolvimento. “Será que ela está saudável?” ou “Será que está tudo bem com ela e Bia?”… Hoje, nesses quase quatro meses após seu nascimento (pouco mais de um ano de vida), passamos horas e mais horas acordados. Minha esposa, especialmente, dedicou-se a ela de forma praticamente integral. Amamentou-a mesmo em meio a fortes dores, suor, sangue e lágrimas. Temos investido a maior parte do nosso tempo em seu cuidado, direcionamos a maior parte de nossas ações pensando no seu bem, buscamos agir da forma mais amorosa possível com ela. E nosso amor, nisso tudo, só cresceu.

Isso me leva a fazer várias perguntas. Como não amar alguém a quem tanto nos dedicamos? Será que tenho me dedicado às pessoas que amo nesse mesmo nível (ou pelo menos em nível similar)? Será que se nos dedicássemos mais, de forma sacrificial, aos nossos casamentos, o número de divórcios não diminuiria? Será que o mundo não seria um lugar muito mais cheio de amor se parássemos de tratá-lo meramente na dimensão afetiva? Se o amor fosse percebido a partir dessa categoria de ação, será que ele não seria mais visível e menos etéreo?

Nossas ações não são a fonte última do amor. A fonte última de amor é o próprio Deus, que é amor (conforme nos ensina, por exemplo, 1 Jo 4.7). O que sustenta o amor, em última análise, também não são nossas ações. O que sustenta o amor é o pacto, o compromisso, a aliança, a decisão que tomamos de que amaremos o outro — não fosse assim, a ordem de amar não seria tão presente nas Escrituras, como no imperativo de Paulo em Ef 5: “Maridos, amai vossas esposas”. Entretanto, é inegável que as ações alimentam e nutrem o amor. É inegável, também, que um amor nutrido e alimentado nos conduz a ações amorosas. Afeto que gera ação. Ação que gera afeto. E, assim, o amor sobrevive e cresce. Cresce mais rápido do que um bebê recém-nascido!

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